A luta de Moçambique contra a pólio contada por quem viveu essa jornada

por Unicef e OMS

Desde 2022, Moçambique tem liderado uma resposta estratégica e determinada contra surtos de poliomielite no país, somando vitórias e superando desafios para proteger as suas crianças de doenças preveníveis por vacinação. Em 2024, o país alcançou um marco histórico ao encerrar o surto de poliovírus selvagem. Em junho de 2025, Moçambique reforçou esse compromisso com mais uma ronda de vacinação, entre os dias 2 e 6, com o objetivo de vacinar todas as crianças menores de 10 anos. 

Esta campanha reflete a determinação contínua de Moçambique em eliminar as formas remanescentes de poliovirus no país, consolidando o seu papel activo no esforço global de erradicação da pólio. A vacina contra a polio chegou a todos os cantos do país, das cidades às zonas mais remotas, cobrindo as 11 províncias, envolvendo 1.848 unidades sanitárias e imunizando mais de 19 milhões de crianças, com uma taxa de cobertura de 98,9%. Este resultado reforça não apenas o compromisso técnico do país, mas também evidencia a participação das comunidades e a confiança nas vacinas e nos serviços de saúde pública. Esta conquista resulta de uma coordenação eficaz entre o Ministério da Saúde, a OMS e UNICEF, e outros parceiros da Iniciativa Global de Erradicação da Pólio (GPEI), aliada à participação e ao empenho dos profissionais de saúde e das comunidades em todo o país. 

Por trás desses números estão histórias reais — de pais, mães, avós, agentes comunitários de saúde, voluntários e, sobretudo, das crianças que receberam as duas gotinhas de esperança. Estas histórias dão voz as experiências vividas no terreno, o esforço coletivo, os desafios enfrentados e a esperança partilhada ao longo desta mobilização nacional. Traduzem o esforço colectivo, a dedicação, os desafios e a alegria de quem participou e esteve na linha de frente desta grande mobilização pela saúde pública e, sobretudo o compromisso com a construção de um mundo livre da poliomielite.

Aichel Celso
Tiago Zenero/OMS Moçambique
Aichel Celso tem 8 anos e vive com o avô na comunidade de KaMubukwana, na província de Maputo, em Moçambique. Na semana da vacinação contra a pólio, Aichel não pôde ir à escola. Nesse dia, as crianças da sua turma receberam a vacina que protege contra a paralisia infantil, mas ele acabou ficando de fora.

Mas a história não termina aí. Dias depois, a equipe de saúde percorreu as ruas da comunidade, levando a campanha de porta em porta. Quando bateram na porta de Aichel, seu avô não pensou duas vezes: autorizou na hora que o neto recebesse as gotinhas da vacina.

Foi assim que Aichel, no quintal de casa, protegido pelos cuidados do avô e da equipe de saúde, também se tornou parte da grande corrente de proteção contra a pólio. A história de Aichel mostra como cada estratégia — na escola, nos centros de saúde e em visitas domiciliares — é essencial para garantir que nenhuma criança fique para trás.
Marvin Guerreiro e suas três filhas
Tiago Zenero/OMS Moçambique
Tiago Zenero/OMS Moçambique
Marvin Guerreiro é um pai que se preocupa com a saúde das suas três filhas, incluindo a pequena Yasmin. Desde que nasceram, ele sempre fez questão de mantê-las com as vacinas em dia, levando-as regularmente ao posto de saúde da comunidade.

Desta vez, não foi diferente. Quando ouviu na rádio, viu nas redes sociais e escutou os carros de som a circular na sua zona com mensagens sobre a campanha nacional de vacinação contra a pólio, Marvin decidiu procurar mais informações. Ele procurou entender melhor o que era a pólio, como ela afeta as crianças e por que a vacina é tão essencial. Foi aí que descobriu que essa vacina específica não estava disponível no posto de saúde que costuma frequentar.

Quando a equipa de vacinação bateu à sua porta, Marvin não hesitou. Aderiu imediatamente a esta oportunidade de vacinar as suas filhas. Além de permitir que suas filhas recebessem as gotinhas que as protegeriam contra a pólio, Marvin aproveitou o momento para tirar dúvidas, ouvir com atenção as explicações e entender melhor os riscos da doença.

O gesto de Marvin não ficou só na sua casa. Tocado pelo que aprendeu, ele quis fazer mais e ajudou a chamar outros pais vizinhos para também vacinarem as suas crianças, replicando a informação que recebeu das equipas. Ele demonstrou ainda interesse em participar como mobilizar em futuras acções de vacinação e a equipa explicou como poderia envolver-se. A sua atitude revelou não só interesse, mas também um forte sentido de responsabilidade comunitária.

São gestos como este que fortalecem a resposta nacional, aproximam os serviços das comunidades e contribuem para um futuro livre da poliomielite.
Ancha Andrusse
Tiago Zenero/OMS Moçambique
No Centro de Saúde de Bagamoio, em Maputo, a diretora Ancha Andrusse vê de perto como a mobilização da comunidade faz diferença na saúde das famílias. Há dois anos, o centro vem trabalhando ativamente para que os homens participem mais da saúde das suas esposas e filhos. As mensagens nas rádios locais, as reuniões comunitárias e as visitas casa a casa começaram a dar resultado.

Na recente campanha de vacinação contra a pólio, isso ficou claro. Grande parte dos pais fez questão de acompanhar os filhos para receber as gotinhas que protegem contra a paralisia infantil. Um exemplo marcou a equipe de saúde: o de um pai que, ao perceber que a mãe da criança hesitava em vacinar, conversou com ela, esclareceu as dúvidas e a sensibilizou sobre a importância da imunização. Não só ajudou a proteger o próprio filho, como também passou a incentivar os vizinhos a fazerem o mesmo.

Para Ancha, esse tipo de envolvimento é essencial: “Temos notado cada vez mais a participação dos pais. Esse apoio é muito importante para as nossas ações, seja na vacinação, na maternidade, na saúde sexual e reprodutiva ou em outras áreas. Quando a família se une, a saúde da comunidade toda melhora.”

A integração da perspectiva de género constitui uma estratégia crucial para garantir equidade no acesso à vacinação. O programa de resposta à pólio reforça este compromisso ao promover a responsabilidade colectiva de mulheres e homens na proteção das crianças, adaptando as abordagens de mobilização e comunicação às dinâmicas sociais das comunidades.
Francisco Adelino
Denizia Pinto/Unicef Moçambique
Denizia Pinto/Unicef Moçambique
Francisco Adelino tem 67 anos e uma vida inteira dedicada à saúde das crianças de Moçambique. Desde 1979, ele supervisiona campanhas de vacinação e esteve na linha de frente contra doenças como cólera, sarampo e, mais recentemente, a COVID-19. Francisco fez história: foi o primeiro técnico de vacinas do Hospital Central de Maputo depois da independência do país. Hoje, já reformado, continua a apoiar as campanhas contra a pólio por puro amor ao trabalho.

Durante as campanhas, seu dia começa cedo. Nessa última, não foi diferente, Francisco organiza o material e traça o plano de atividades das equipes. Ele foi responsável por supervisionar três delas e visitava cada uma pelo menos duas vezes ao dia, além de manter contato constante por telefone. Quando o sol se põe, era ele quem coordenava a recolha dos materiais e ajudava a preparar o dia seguinte.

Mas o compromisso de Francisco não termina quando termina o turno. Ao chegar no seu bairro, ele vai de porta em porta confirmar se as crianças dos vizinhos foram vacinadas. É conhecido como “o homem da vacina”, e os vizinhos o procuram para tirar dúvidas e pedir informações.

Francisco sabe que os desafios existem. “Às vezes enfrentamos problemas pela falta de informação”, conta. “Algumas pessoas não querem nos deixar entrar nas casas, e em certos condomínios tivemos até que passar por revistas para poder vacinar as crianças.”

Mesmo assim, ele segue firme: “Cada criança vacinada é um passo para o seu futuro e para o futuro do país.”

Supervisores como o Francisco desempenham um papel crucial para o sucesso das campanhas de vacinação. Através da sua presença no terreno, ajudam a identificar desafios, apoiar as equipas e garantir que a qualidade das coberturas seja mantida, contribuindo para que nenhuma criança fique de fora.
Francisco Gimo
Denizia Pinto/Unicef Moçambique
Num dia comum no bairro Aeroporto B, em Maputo, Francisco Gimo ajustou a agenda — como faz sempre que é preciso. Entre os compromissos como militar, as noites como segurança e as aulas que dá como mestre de artes marciais, há algo que nunca fica para depois: o bem-estar do seu filho.

Na manhã da campanha de vacinação contra a pólio, a mãe do menino precisou sair cedo para trabalhar. Foi então Francisco quem assumiu, com orgulho, a missão de levar o filho para receber as gotinhas da vacina que protegem contra a paralisia infantil.

Com simplicidade e firmeza, ele conta: “Eu entendo que cuidar da saúde do nosso filho é uma responsabilidade dos dois. A mãe foi trabalhar, e hoje sou eu quem está aqui para garantir que a vacina seja feita.”

Entre o rigor da farda e a disciplina das artes marciais, Francisco carrega o afeto de um pai que escolhe estar presente. Num gesto simples, mas cheio de significado, mostra que ser pai também é estar ao lado nas pequenas escolhas que constroem o futuro de uma criança — como protegê-la da pólio.

No seu bairro, Francisco é exemplo de que a vacinação começa em casa: com amor, responsabilidade e tempo reservado para aquilo que realmente importa.

Porque quando cada família faz a sua parte, todo o país avança para um futuro livre da pólio.