Participar para Transformar
Este artigo foi publicado pela primeira vez no Jornal de Angola, cuja versão pode ser encontrada aqui: https://www.jornaldeangola.ao/noticias/9/opini%C3%A3o/653277/participar-para-transformar
Por: Olívio Gambo, Oficial de Comunicação da OMS
Em São Pedro da Barra, no município do Hoje-Ya-Henda, uma roda de conversa mudou o rumo de muitas histórias. Sem barreiras hierárquicas, autoridades locais, profissionais de saúde, especialistas de organizações internacionais e membros da comunidade partilharam dúvidas, preocupações e esperanças. O tema era simples, mas urgente: por que razão há ainda tantas crianças por vacinar?
Antónia, uma vendedora local, trouxe à conversa uma realidade presente em muitas localidades do país: “Conheço mulheres que nunca vacinaram os filhos porque cresceram a ouvir dizer que as vacinas fazem mal. Nunca ninguém lhes explicou o contrário. Se tivéssemos tido conversas como esta antes, já teríamos vacinado todos os nossos filhos.
Este testemunho, carregado de emoção e lucidez, revela o poder da escuta activa e da partilha. Mostra que, por vezes, não é a falta de vontade que está em causa, mas sim a falta de informação, de confiança e de diálogo, frequentemente agravada por obstáculos estruturais como a escassez de vacinas, a distância aos serviços de saúde e as limitações na qualidade e na capacidade de resposta das unidades sanitárias.
Na tradição bantu, as crianças são o elo entre o passado e o futuro, o nosso tesouro colectivo. Garantir a sua saúde é garantir a continuidade da nossa história. Segundo a OMS, a vacinação é uma das medidas de saúde pública mais eficazes e com melhor relação custo-benefício para proteger a vida das crianças e prevenir doenças evitáveis.
A roda de conversa promovida pela Associação JUCARENTA, com o apoio da Organização Mundial da Saúde (OMS), do UNICEF e da Rotary Internacional, não foi um evento isolado. Foi um exemplo vivo de como a participação dos cidadãos pode melhorar as taxas de vacinação infantil, proteger as nossas crianças e transformar realidades. Esta dinâmica revelou o poder da escuta activa e da cocriação de soluções, demonstrando que a liderança social participactiva é uma ferramenta vital para alinhar as políticas públicas com as necessidades reais da população.
Angola tem recorrido com sucesso ao envolvimento das comunidades em várias intervenções de saúde pública, como campanhas de vacinação e respostas a epidemias. No entanto, é possível ir mais longe e transformar esta abordagem numa ferramenta estruturada e contínua de mudança social.
A nível internacional, países como o Uganda demonstraram que a mobilização comunitária foi decisiva para conter o vírus Ébola, ao envolver os líderes locais na difusão de informação e na vigilância comunitária. Estudos da Federação Internacional da Cruz Vermelha confirmam que o envolvimento activo das comunidades fortalece a confiança nos serviços, melhora o acesso e promove comportamentos preventivos duradouros.
Apesar das evidências claras sobre os benefícios da participação comunitária, persistem obstáculos que limitam o acesso equitativo aos cuidados de saúde em várias partes do mundo. A falta de informação, os mitos, os tabus e as dificuldades sociais e estruturais continuam a impedir que muitas famílias acedam aos serviços essenciais. Em resposta, vários países têm reforçado o envolvimento comunitário, ampliado parcerias com líderes locais e adoptado tecnologias móveis para combater os mitos.
O que poderá esta realidade internacional representar para o nosso contexto? Num país como Angola, onde os desafios do desenvolvimento estão interligados com as aspirações de justiça social, a participação dos cidadãos é essencial. O desenvolvimento sustentável não se decreta, constrói-se passo a passo, com base em quatro pilares fundamentais: uma definição clara de prioridades, uma gestão pública transparente, uma prestação de contas efectiva e uma participação inclusiva. Reconhecidos por instituições como a OMS e o Banco Mundial, estes princípios são alicerces de uma governação eficaz, equitativa e orientada para os resultados. Aplicados com rigor à saúde pública e centrados nas pessoas, geram mudanças estruturais com um impacto directo e duradouro no bem-estar das populações.
A roda de conversa no Porto Pesqueiro culminou num compromisso colectivo de reforçar a informação nas comunidades, criar mais espaços de diálogo e encontrar soluções conjuntas para os desafios locais. No entanto, como podemos maximizar e replicar esta boa prática e gerar resultados concretos?
Angola precisa de adoptar e institucionalizar a participação comunitária como eixo central das políticas públicas de saúde. Para tal, é urgente: a) Criar espaços permanentes de diálogo comunitário com representatividade inclusiva; b) Formar líderes locais e profissionais de saúde em comunicação para a mudança social; c) Combater a desinformação com campanhas educativas culturalmente adaptadas e sustentadas por evidências; e d) Integrar a escuta activa e a cocriação de soluções nos processos de planeamento e avaliação dos serviços de saúde.
Como reza o adágio do desenvolvimento comunitário: “Nada para nós, sem nós.” O desenvolvimento começa no diálogo. E o diálogo começa com a escuta. Que a experiência de São Pedro da Barra inspire um processo contínuo, estruturado e replicável de construção de uma Angola que cresça com e para o seu povo - onde ouvir, incluir e agir se afirmem como práticas permanentes da nossa forma de pensar, governar e cuidar.