Transformar o desconhecido em conhecimento comum na luta para combater a resistência antimicrobiana

Transformar o desconhecido em conhecimento comum na luta para combater a resistência antimicrobiana

Vanessa Carter quase perdeu o seu rosto devido à resistência antimicrobiana.

Ela contraiu uma infeção bacteriana provavelmente enquanto esteve no hospital a ser submetida a uma de várias cirurgias faciais complicadas. Nenhum dos vários médicos que a acompanharam nos primeiros seis anos das cirurgias alguma vez lhe falou sobre a resistência aos antibióticos. Como desconhecia os perigos de deixar de tomar um medicamento antibiótico ou até mesmo uma pomada antibiótica após alguns dias quando parecia não estar a fazer efeito, ela acabou por fazer parte da complicação - naquela altura.

 

Agora, faz parte da luta para promover o conhecimento comum.

"O que é que deve ser de conhecimento comum?", começa a explicar a paciente. Tal como associamos o tabagismo ao cancro, deve associar o abuso dos antibióticos à resistência aos medicamentos, continua.

"Tomar duas doses de um antibiótico de manhã porque pode esquecer-se à hora do almoço pode agravar a resistência. Isto deve ser conhecimento comum. Dar uma dose dupla aos filhos pode agravar a resistência. Isso deve ser conhecimento comum".

Os doentes precisam de mais informações, diz Carter. "Poderia ter feito imensa diferença na minha cara e na minha vida naquela altura".

"Não devemos minimizar o assunto", salienta Carter, que também se esforça por mudar os comportamentos a todos os níveis, desde os doentes aos médicos e até mesmo investigadores e comerciantes do setor privado. "Devemos ensinar às pessoas para que tenham os conhecimentos necessários para participar na gestão e tratamento das infeções dentro e fora do hospital. Nunca vi uma embalagem de um antibiótico que avisasse uma pessoa sobre a resistência. Quando vou a uma farmácia, peço os folhetos informativos de vários antibióticos e não encontro nada. Esta seria uma boa maneira de melhorar a comunicação".

Carter teve de ser submetida a uma reconstrução facial complexa após um acidente de viação que ocorreu em 2004 em Joanesburgo, na África do Sul, que deixou o abdómen e o rosto gravemente lesionados, incluindo o nariz partido, um osso do rosto partido e a órbita do olho lesionada, a perda do olho direito, um maxilar partido e lacerações faciais significativas. Ela também sofreu lesões no pescoço e nas costas e fraturou o osso ilíaco.

Ela contraiu duas infeções resistentes aos antibióticos durante a década que demorou a reconstruir o rosto. A primeira ocorreu em 2010, quando se formaram bactérias na prótese aloplástica inserida na órbita do olho direito. A infeção não respondeu aos antibióticos receitados e só quase um ano depois é que foi diagnosticada com Staphylococcus aureus resistente à meticilina.           

Não houve qualquer comunicação por parte da equipa médica sobre a sua situação. Foram-lhe dados conselhos diferentes por cada um dos especialistas. Alguns insistiam que a prótese devia ficar no lugar porque a infeção provinha de outro local. O cirurgião plástico foi contra as suas ordens e removeu-a, o que provavelmente lhe salvou a vida.

A infeção voltou em 2012, juntamente com uma alergia, após outra cirurgia. A infeção pode ter ocorrido no hospital ou pode ter ressurgido na área afetada anteriormente, mas era resistente ao antibiótico. A alergia devia-se possivelmente à pomada antibiótica.

"Pensamos que as pomadas antibióticas ajudam a curar as feridas mais depressa. Mas não nos explicam que se trata de um antibiótico. E quando se trata de medicamentos como pomadas, ninguém nos diz para as tomar em intervalos 'iguais', que é importante", explica Carter. As pessoas estão habituadas a ouvir coisas como "tomar três vezes por dia", mas esta recomendação não explica porque se deve tomar a horas específicas, o que Carter explica ser essencial para impedir que as bactérias (no caso dos antibióticos) se tornem mais fortes.

Tomar antimicrobianos, incluindo antibióticos, a qualquer hora do dia pode levar a uma sobrexposição ou subexposição dos micróbios, o que faz aumentar a sua resistência, explica.

 

O que é a resistência e quais são as soluções?

A utilização incorreta dos medicamentos antimicrobianos, incluindo dos antibióticos, permite que as bactérias, vírus, fungos e parasitas se transformem em supermicróbios que são resistentes aos medicamentos que foram criados para os matar.

"Muitos doentes não entendem que os antibióticos são utilizados para tratar as bactérias perigosas que afetam o corpo e não o corpo humano", diz Carter. Eles pensam que o corpo se torna resistente ao antibiótico, mas, na verdade, são as bactérias que se tornam resistentes.

Carter acredita que seria útil para esclarecer essa confusão se as embalagens dos produtos farmacêuticos contivessem um aviso a informar que a utilização incorreta dos antibióticos pode causar resistência bacteriana.

É essencial que se fale mais sobre a utilização responsável dos antimicrobianos com os pacientes e os profissionais de saúde, salienta.

"As políticas também são importantes", acrescenta. "Porque é que é tão fácil adquirir antibióticos em alguns países? E tão fácil utilizá-los na agricultura?".

 

O papel da advocacia do paciente nesta luta pelo conhecimento comum

Enquanto paciente e promotora nesta iniciativa, Carter passa muito tempo com investigadores académicos e grupos consultivos na África do Sul e noutros países com a ASPIRES, uma cooperativa de investigação que envolve entidades como o Imperial College London, a Universidade da Cidade do Cabo, entre outras. Com estas entidades, a especialista em marketing e fundadora da Healthcare Communications and Social Media South Africa fala sobre a sua história pessoal e a sua opinião sobre aquilo que poderia ter melhorado a sua experiência durante as suas várias cirurgias.

Ela também trabalha como "embaixadora da sociedade civil" com o Centro Africano de Controlo e Prevenção de Doenças, promove a campanha "Antibiotic Guardian" na África do Sul e coordenou conversas no Twitter entre especialistas de renome da região para aumentar a sensibilização sobre aquilo que deve ser de conhecimento comum sobre a administração de medicamentos, desde antibióticos até antimaláricos.

Há sete anos, quando Carter se tornou representante desta iniciativa, a resistência aos antimicrobianos quase não era tema de conversa. Desde então, os diálogos sobre este assunto expandiram-se, mas ela considera que o ritmo ainda é bastante lento nesta corrida para travar a resistência dos micróbios aos medicamentos que temos disponíveis para os combater.

A nível global, cerca de 700.000 pessoas morrem todos os anos devido à resistência aos antimicrobianos, segundo os dados da Organização Mundial da Saúde. O relatório "The Review on Antimicrobial Resistance" estima que 4,1 milhões de pessoas em África poderão vir a morrer até 2050 se as práticas dos doentes e profissionais de saúde não se alterarem.

"Vivemos em países onde os cuidados de saúde são de difícil acesso", refere Carter sobre o facto de muitas pessoas em África não terem dinheiro para consultar um médico e por vezes se automedicarem com antibióticos ou outros medicamentos antimicrobianos de fornecedores não certificados. "Não sei se alguém tem a resposta para este problema, por, como é compreensível, quando se está doente, faz-se de tudo para conseguir uma medicação. Se é difícil obtê-la no sistema de saúde, onde é que as pessoas se dirigem?".

"Sei que o conhecimento comum não irá mudar este tipo de comportamento magicamente", acrescenta, "mas acho que é um bom ponto de partida".

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