Prematuridade: um desafio silencioso que Angola precisa de vencer
Este artigo foi publicado pela primeira vez no Jornal de Angola, cuja versão pode ser encontrada aqui: https://www.jornaldeangola.ao/noticias/9/opini%C3%A3o/652265/prematuridade:-um-desafio-silencioso-que-angola-precisa-de-vencer
Por Dra. Natércia de Almeida, Oficial de Saúde Materno Infantil da OMS
O Dia Mundial da Prematuridade, celebrado a 17 de Novembro e recentemente reconhecido pela Assembleia Mundial da Saúde, tem este ano como lema “Dar aos bebés prematuros um começo forte para um futuro promissor”. Mais do que uma data simbólica, trata-se de um apelo urgente à acção.
Em Angola, apesar dos avanços alcançados, as taxas de mortalidade neonatal, infantil e materna continuam acima da média global. Os dados do Inquérito de Indicadores Múltiplos (IIMS) mostram que, entre 2015/16 e 2023/24, as taxas diminuíram de 24 para 16 mortes neonatais por mil nados-vivos, de 44 para 32 mortes infantis e de 239 para 170 mortes maternas por 100 mil nascimentos. Estes progressos são significativos, mas serão suficientes para alcançar as metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) até 2030?
A mortalidade neonatal representa a maior parte das mortes infantis, sobretudo nos primeiros 28 dias de vida. Em 2015/2016, cerca de 25% das mortes de crianças com menos de cinco anos estavam associadas a complicações durante o parto e à prematuridade, ou seja, nascimento antes das 37 semanas de gestação. Embora as taxas tenham diminuído, é provável que os números actuais estejam subestimados, dado que metade dos partos ainda ocorre fora das unidades de saúde, dificultando o registo adequado.
A prematuridade é uma emergência silenciosa. A nível mundial, um em cada dez bebés nasce prematuro, enfrentando um risco elevado de complicações respiratórias, infecções, hipotermia e atrasos no desenvolvimento. Sem cuidados adequados, estas condições podem ser fatais. A disparidade ao nível da resposta é gritante: nos países de baixos rendimentos, apenas 10% dos bebés extremamente prematuros sobrevivem, contra 90% nos países ricos. Que mensagem esta diferença nos transmite sobre a urgência de agir? Cada morte representa uma perda irreparável — e talvez estejamos a perder futuros génios como Albert Einstein, Isaac Newton, Charles Darwin ou Pablo Picasso que nasceram prematuros.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) alertam para a necessidade de investir em intervenções de elevado impacto e baixo custo, sobretudo em contextos de recursos limitados. Entre as estratégias recomendadas, destacam-se: a) Fortalecer os serviços de saúde materna para prevenir partos prematuros e detectar atempadamente condições como hipertensão e infecções; b) Garantir cuidados especializados para recém-nascidos pequenos e doentes, incluindo unidades neonatais, o método mãe canguru e profissionais treinados; c) Apoiar as famílias com recursos emocionais e práticos para cuidarem dos seus bebés; e d) Promover a equidade, assegurando que a sobrevivência não dependa da geografia ou do rendimento.
Em Angola, é essencial investir em soluções custo-eficazes. A aplicação generalizada do método mãe canguru pode salvar milhares de vidas, ao passo que a criação de unidades de cuidados intensivos neonatais permanece um desafio. A formação dos profissionais de saúde para um acompanhamento pré-natal de qualidade é igualmente crucial. Outrossim, as consultas regulares da mulher em estado de gestação permitem identificar e tratar condições que frequentemente levam ao parto prematuro, como infecções vaginais e hipertensão arterial.
Para o sucesso desta abordagem, é necessário garantir materiais básicos, como espéculos vaginais e esfigmomanómetros, só por citar alguns, bem como sensibilizar as comunidades para a importância do acompanhamento pré-natal precoce e regular. Outro passo indispensável é investir na formação contínua de médicos e enfermeiros em obstetrícia, neonatologia e pediatria. Estes profissionais necessitam de condições adequadas para aplicar os conhecimentos adquiridos, o que implica melhorar as infraestruturas e assegurar os equipamentos essenciais. Estamos prontos para dar este salto?
O nascimento prematuro não deve ser sinónimo de sentença de morte. Todos os bebés merecem não apenas sobreviver, mas também prosperar. Honrar esta promessa é investir no futuro de Angola.
A luta contra a prematuridade exige compromisso político, recursos e envolvimento da comunidade. É necessário o apoio de todos: famílias, sociedade civil, políticos e sector privado. É hora de transformar a prematuridade, este desafio silencioso, numa prioridade nacional e de proteger as nossas lindas crianças.