Resistência antimicrobiana: a ameaça invisível que pode redefinir o futuro

Resistência antimicrobiana: a ameaça invisível que pode redefinir o futuro

Este artigo foi publicado pela primeira vez no Jornal de Angola, cuja versão pode ser encontrada aqui: https://www.jornaldeangola.ao/noticias/9/opini%C3%A3o/655384/resist%C3%AAncia-antimicrobiana:-a-amea%C3%A7a-invis%C3%ADvel-que-pode-redefinir-o-futuro

Por: Dra. Filipa Vaz, Oficial de Vigilância Laboratorial da OMS

Imagine um mundo em que uma infecção simples, como uma pneumonia ou uma ferida mal cicatrizada, possa ser fatal. Parece-lhe distante? Não está. Essa é a realidade que a resistência antimicrobiana (RAM) está a construir silenciosamente. Entre 18 e 24 de Novembro, o mundo celebrou a Semana Mundial de Conscientização sobre a RAM, uma iniciativa da Organização Mundial da Saúde (OMS) e de seus parceiros globais, que nos lembra que o momento de agir é agora.

Por que razão há tanta urgência? Porque os antibióticos, que durante décadas salvaram milhões de vidas, estão a perder a sua eficácia. Sempre que os utilizamos de forma incorrecta, estamos a dar aos microrganismos a oportunidade de se tornarem mais fortes. E eles não perdem tempo. Actualmente, uma em cada seis infecções bacterianas no mundo já é resistente a antibióticos; em África, este número sobe para uma em cada cinco.

Em 2019, estas infecções causaram 1,27 milhões de mortes directas e contribuíram para quase cinco milhões de mortes adicionais. Se nada mudar, até 2050 poderemos perder 10 milhões de vidas por ano por infecções que antes eram passíveis de tratamento.

E Angola? Não está fora deste mapa. Tuberculose, malária, VIH e infecções respiratórias: todas enfrentam resistência crescente. O problema não é só clínico, mas também económico, social e ambiental. Estima-se que a RAM possa custar ao mundo 3,4 biliões de dólares por ano até 2030 e empurrar 28 milhões de pessoas para a pobreza. Sem antibióticos eficazes, as cirurgias, os tratamentos contra o cancro e os transplantes tornam-se arriscados. Trata-se de um retrocesso histórico que ameaça as conquistas da medicina moderna.

A resistência antimicrobiana não conhece fronteiras. Tal como a doença por coronavírus 2019 (Covid-19), afecta a todos: ricos e pobres, jovens e idosos. Além disso, não se limita à saúde humana. Está presente na agricultura, na produção de alimentos e no meio ambiente. 

O uso indiscriminado de antibióticos em animais e a eliminação de resíduos farmacêuticos no solo e na água contribuem para a disseminação de microrganismos resistentes. Por conseguinte, a resposta deve ser integrada e baseada na abordagem “Uma Só Saúde”, que abrange a saúde humana, animal e ambiental.

Em Setembro de 2024, os líderes mundiais aprovaram, na ONU, uma declaração política com metas ambiciosas: reduzir as mortes por RAM em 10% até 2030, garantir a vigilância global e promover o uso racional de antimicrobianos. Entre os compromissos assumidos, destacam-se: a apresentação de dados de vigilância de elevada qualidade até 2030; a garantia de que 80% dos países testem todos os patógenos bacterianos e fúngicos; a redução global do uso de antimicrobianos na agricultura; e a garantia de acesso à água, ao saneamento e à higiene em todas as unidades de saúde. 

Angola já deu um passo importante neste sentido. Durante a Semana Mundial, realizou-se um workshop nacional no Instituto Nacional de Investigação em Saúde, que reuniu os sectores da plataforma “Uma Só Saúde” — saúde humana, saúde animal, agricultura e ambiente — para avaliar a situação e delinear estratégias. Este encontro servirá de base para um Plano Nacional de Acção contra a RAM, que será essencial para coordenar medidas e garantir respostas sustentáveis.

No entanto, a questão que se coloca é a seguinte: o que cada um de nós pode fazer? A resistência antimicrobiana é invisível, mas as suas vítimas não são. Combater a RAM exige acção coletiva. Os profissionais de saúde devem prescrever antibióticos apenas quando necessário e cumprir os protocolos estabelecidos. Os pacientes devem evitar a automedicação, cumprir os tratamentos e não interromper os ciclos. Os agricultores e a indústria alimentar devem reduzir o uso de antimicrobianos e adotar boas práticas. A sociedade civil e os decisores políticos devem apoiar campanhas de sensibilização e fiscalização. Cada gesto conta. Cada decisão é importante. A RAM não é um problema distante, mas sim uma ameaça real que pode transformar a medicina moderna num cenário de incerteza.

Sem antibióticos eficazes, regressaremos a uma era em que infecções simples poderão ser fatais. É necessário haver mais vigilância, laboratórios equipados, educação comunitária e financiamento para conter esta crise. A mensagem é clara: é necessário agir hoje para salvar vidas amanhã. A resistência antimicrobiana é um problema de todos e só em conjunto podemos vencê-la.

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Olívio Gambo

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